“Não somos contra os empreendimentos, desde que sejamos consultados […] e que nossos conhecimentos e nossas relações com nossos territórios e com os outros seres sejam considerados e respeitados.” O trecho faz parte do Protocolo de Consulta dos Povos Indígenas do Oiapoque, no Amapá. Com base no documento, os indígenas buscam ser ouvidos no licenciamento de petróleo solicitado pela Petrobras na Bacia da Foz do Amazonas.
“Nós queremos ser ouvidos no processo. Queremos ser considerados e saber como ficaremos seguros se acontecer um acidente. Porque nós e os animais vamos ser os primeiros atingidos”, reivindicou a vice-coordenadora do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), Cláudia Renata Lod Moraes. “Nossas terras indígenas são, em sua maioria, campos alagados. Como se limpam campos alagados cheios de óleo?”
Além de um possível acidente com derramamento de óleo, os indígenas temem o barulho das aeronaves. Isso porque as terras indígenas Juminã, Galibi e Uaçá, que abrigam cerca de oito mil pessoas, formam um corredor entre o aeroporto do Oiapoque, usado como base aérea pela Petrobras, e o bloco 59, onde a empresa pretende perfurar um poço de petróleo exploratório.
“Lei não obriga consulta”, diz Petrobras
A Petrobras afirmou à reportagem que a legislação não determina uma consulta prévia aos povos indígenas. Declarou também que implementou um amplo processo de comunicação com as comunidades.
Os possíveis impactos às comunidades indígenas foram um dos motivos apontados por 26 analistas ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para recomendar pela segunda vez, no fim de outubro, o indeferimento e o arquivamento do pedido de licença da Petrobras.
Mesmo assim, a presidência do Ibama considerou avanços nos últimos documentos apresentados pela Petrobras e requereu novas informações à empresa. Nenhum dos questionamentos, no entanto, estava relacionado à questão indígena.
Voos sobre os territórios
O bloco 59 – o termo técnico é FZA-M-59 – está localizado na Bacia da Foz do Amazonas, uma faixa no território marítimo entre os estados do Amapá e Pará. Junto com outras quatro bacias, ela forma a chamada Margem Equatorial. A região é considerada uma nova fronteira de exploração de petróleo, mesmo que o mundo esteja discutindo como diminuir o uso de combustíveis fósseis, principal causador das mudanças climáticas.
O processo de licenciamento começou em 2014, mas a Petrobras adquiriu os direitos da concessão em 2020. O objetivo é perfurar um poço para verificar a presença de petróleo, atividade que levaria cerca de cinco meses. Caso se confirme a presença dos produtos e a viabilidade econômica, é necessário um novo licenciamento.
Mas os impactos já foram sentidos pelas comunidades indígenas. O aeroporto usado pela Petrobras fica no município de Oiapoque, entre as três terras indígenas e o bloco 59. De acordo com Lod Moraes, do final de 2022 até meados de 2023, já havia um grande fluxo de aeronaves.
“Nunca tivemos um tráfego aéreo aqui no município. De repente, começaram esses voos, bastante baixos e com barulho alto, assustando crianças e idosos. Ouvimos relatos de pessoas que perderam a caça por causa do barulho. Foi bem perturbador”, descreveu a cacique. O problema cessou, segundo Lod Moraes, mas os indígenas estão preocupados em como ficará a situação se sair a licença.
A Petrobras afirmou à reportagem que “alterou rotas de voos e altitude das aeronaves no aeroporto que já opera na região, homologado pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). As rotas hoje passam a uma distância mínima de 13 quilômetros da aldeia indígena mais próxima. Em média, serão realizados 2 voos diários.”
“A Petrobras reforça que projeto de pesquisa na Margem Equatorial prevê a perfuração de poço em região oceânica, a 175 km da costa e a mais de 200 km de terras indígenas. Para a fase de pesquisa investigativa, não será construída nenhuma infraestrutura próxima a terras indígenas.”