Documentos obtidos com exclusividade pelo site CONECTAMAPÁ revelam que diversos órgãos públicos, tanto da esfera estadual como federal, tinham conhecimento e atuavam, desde 2022, no combate as atividades de extração ilegal de ouro em uma Unidade de Conservação no entorno de área indígena no município de Pedra Branca do Amapari, onde ocorreu o rompimento de uma barragem em 10 de fevereiro, provocando a liberação de rejeitos de minério no Rio Cupixi.
A ação criminosa já era do conhecimento da Polícia Federal, Ministério Público Federal, Justiça Federal, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Ministério Público do Estado do Amapá, Secretaria de Estado do Meio Ambiente e da Prefeitura de Pedra Branca do Amapari.
As primeiras informações oficiais sobre a presença de garimpeiros e extração ilegal de ouro na região datam de fevereiro de 2022. Na ocasião, um analista ambiental da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA) e um secretário da prefeitura de Pedra Branca do Amapari – AP, identificaram por meio de sobrevoo de helicóptero a atividade de garimpo na referida região. A constatação da atividade resultou na Informação de Polícia Judiciária Nº 715143/2022, elaborada pela Polícia Federal, por meio da qual foi possível observar intervenções em 05 (cinco) áreas, que, segundo a apontou a própria Policial Federal, vinham se intensificando, sendo pauta de uma reunião realizada em março de 2022, junto à Superintendência do Ibama/AP.
Consta ainda que a Polícia Federal enviou ofício à Agência Nacional de Mineração-ANM questionando sobre a existência ou não de autorização de extração de minerais nas 05 (cinco) áreas, tendo recebido resposta de que não havia autorização.
RELATÓRIO GAECO/MP-AP
Também na ocasião, a Superintendência de Polícia Federal do Amapá SR/PF/AP recebeu o Relatório de Missão 002/2022 enviado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado (Gaeco MP/AP), apontando atividade intensa de extração de ouro nos “Garimpo do Milton” e, principalmente, no “Garimpo São Domingos”.
O relatório informava a realização de diligências nos municípios de Porto Grande e Pedra Branca do Amapari, no período de 03 a 07 de outubro de 2022, objetivando a coleta de dados e informações referentes ao funcionamento de um garimpo clandestino, onde estariam ocorrendo diversos crimes, tais como: homicídios, exploração sexual de mulheres, porte ilegal de armas de uso restrito e crimes relacionados à exploração de áreas de garimpos.
ÁREA DE ATUAÇÃO
Segundo o relatório, o Rio Cupixi era um dos caminhos utilizados para se chegar ao grimpo ilegal. O local de onde partiam as embarcações era um pequeno porto improvisado, localizado embaixo da ponte do Rio Cupixi, localizada na Rodovia Perimetral Norte, km 102.
Posteriormente, objetivando confirmar a materialidade dos crimes, sobretudo, ambientais, foi elaborada mais um documento de informação pela Policia Federal, agora sob o n. º 4091913/2022, indicando a expansão das áreas ocupadas pelos garimpeiros. Em seguida, em 29 de outubro de 2022, por meio de sobrevoo nas regiões, constatou-se a extensão das atividades ilícitas.
Com base nas informações e nas investigações realizadas, em fevereiro de 2023 a Policia Federal impetrou ação cautelar na 4° vara da Justiça Federal do Amapá, requerendo autorização para a realização de operação de busca e apreensão, acesso a dados armazenados em razão da utilização de serviços de telefonia e destruição ou inutilização de instalações, equipamentos, ferramentas, veículos e materiais utilizados direta ou indiretamente na atividade de garimpo ilegal.
Provocado a se manifestar sobre o pedido da Policia Federal, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL emitiu parecer favorável à decretação das medidas.
OPERAÇÕES POLICIAIS
Em abril de 2023 a Polícia Federal, com o apoio do Exército Brasileiro, Polícia Militar do Amapá (COE/BOPE), GAECO e IBAMA, deflagrou, a Operação “Águas de Prata”, cumprindo mandado de busca e apreensão, além de destruição de maquinário utilizado para extração ilegal de ouro, no garimpo São Domingos e no Garimpo do Milton.
Ainda que as investigações tivessem mostrado uma estrutura bem maior, durante a deflagração da operação foram destruídos quatro escavadeiras hidráulicas, com o valor aproximado de 500 mil reais cada, além de cinco motores bomba, assim como buscas na sede da Cooperativa de São Domingos, cooperativa de garimpeiros, onde foram apreendidos mídias, documentos e celulares de algumas lideranças.
Levando em consideração o número de máquinas identificadas durante as investigações, superior às que foram destruídas, tudo indica que os garimpeiros podem ter percebido a presença de agentes públicos na região e retirado o maquinário antes da realização da referida operação.
Já em outubro de 2023, foi realizada a Operação Águas de Prata II, objetivando combater a extração ilegal de ouro na região, dessa vez em um local conhecido como “Garimpo Urucum”. Durante investigação, foi identificado um crescente aumento do desmatamento e do uso indevido de substâncias químicas no meio ambiente, promovendo grande destruição da floresta amazônica com a contaminação dos rios e do solo da região. Um homem foi preso em flagrante operando uma máquina escavadeira. A máquina foi destruída e seu operador encaminhado à Superintendência da Polícia Federal no Amapá.
Em abril de 2024, Polícia Federal deflagrou a “Operação Águas de Prata III”. Policiais identificaram que a atividade garimpeira havia desmatado, em poucos meses, uma área de cerca de 680 mil metros quadrados, equivalente a mais de 83 campos de futebol. Além das áreas diretamente desmatadas, os danos ambientais causados pelos garimpeiros impactaram a cadeia ambiental em até 300 km do curso dos rios da região, provocando danos considerados irreversíveis. Como resultado da ação, foram destruídas quatro escavadeiras hidráulicas e cinco motores-bomba, além de outros maquinários utilizados pelos garimpeiros.
Porém, todo o esforço das investigações e operações realizadas no combate a ação criminosa de garimpeiros na região não foram suficientes para impedir uma das maiores tragédias ambientais do estado, se não a maior já registrada.
LOCAL DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM
No dia último dia 12/02 uma equipe composta por representantes da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA), Polícia Civil e Defesa Civil, identificou o local exato onde, no dia 10 de fevereiro, correu o rompimento de uma barragem clandestina, situado nos limites da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do rio Iratapuru, no município de Pedra Branca do Amapari.
De acordo com relatório da Secretária de Estado do Meio Ambiente (SEMA), que o CONECTAMAPÁ teve acesso, foi possível identificar a existência de um garimpo clandestino. No local foi observado desmoronamento de barrancos, supressão vegetal, árvores mortas e muitos resíduos de mineração. Foi observado a existência da barreira construída em desacordo com a PNSB, o que resultou no rompimento da mesma, causando o carreamento do resíduo da mineração para o igarapé Água Preta, afluente do rio Cupixi, porém, o município mais impactado até o momento foi Porto Grande.
A SEMA realizou ainda a análise da água. As coletas foram realizadas ao longo do rio Cupixi. foi possível observar o aumento na turbidez do rio Cupixi, indicando presença de partículas suspensas, como sedimentos e possivelmente, metais pesados ou matéria orgânica. A secretaria realizou o comparativo das amostras com dados de coletas realizadas em 2024. Veja o resultado.
Com o intuito de confirmar a presença ou não de metais pesados, as coletas de água feitas ao longo do rio Cupixi foram enviadas para o laboratório do Instituto Evandro Chagas em Belém/PA.
MEDIDAS
No último dia 12, dois dias após o rompimento da barragem Ministério Público Federal (MPF) instaurou inquérito civil, dando 48 horas para os Órgãos competentes informarem as providências tomadas.
Da mesma forma, o Ministério Público do Estado também abriu procedimento para apurar a situação, solicitando uma série de medidas, entre elas, um pedido de informações ao MPF sobre o garimpo de São Domingos, tendo em vista as operações policiais realizadas.
Até o momento não se tem informações de novas operações policiais realizadas na região ou de prisões dos responsáveis pela atividade ilegal de garimpo que resultou no desastre ambiental.
Os fatos mostram que mesmo com a atuação do Estado o crime organizado parece não se intimidar e caminha a frente dos agentes públicos. Expulsos, os criminosos voltam no dia seguinte com ações ainda mais devastadores. Embora a PF tenha realizado três operações policiais na região, as medidas não foram suficientes para impedir a continuidade das ações criminosas que resultaram em danos ambientais – alguns irreversíveis.
Caso as autoridades locais não estabeleçam um pacto de combate efetivo ao crime organizado mantendo vigilância permanente nas areas de extração ilegal de ouro, em pouco tempo poderemos perder para o garimpo ilegal, o status de estado mais preservado do país.