Hiran Gonçalves- Senador e pres. Frente Parlamentar Mista da Medicina – (FPMed)
José Hiran Gallo- Presidente do Conselho Federal de Medicina – (CFM)
O Brasil vive hoje um dilema decisivo para o futuro da medicina e da saúde pública: o País precisa de mais médicos ou de melhores médicos? Essa pergunta surge na esteira da expansão acelerada de cursos de medicina nas últimas décadas, muitos deles sem observar critérios técnicos e sem a estrutura mínima para garantir uma formação de qualidade.
Diante desse cenário, o Projeto de Lei nº 2.294/2024 — que propõe a criação do Exame Nacional de Proficiência em Medicina — configura medida necessária, urgente e transformadora. Essa proposta, já aprovada por unanimidade na Comissão de Educação do Senado e atualmente em análise na Comissão de Assuntos Sociais, estabelece que somente médicos aprovados nessa prova poderão obter registro nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs).
A avaliação, a ser aplicada duas vezes ao ano sob coordenação do Conselho Federal de Medicina (CFM), verificará se o recém-formado possui conhecimentos, habilidades e atitudes mínimas exigidas para o exercício da profissão. Assim, ela funciona como uma forma de proteção da população, em especial das parcelas socialmente mais vulneráveis que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS).
De forma complementar, o PL nº 2.294/2024 contribui com uma reflexão sobre o sistema formador de médicos no País, o qual precisa ser urgentemente repensado pelo bem das futuras gerações. Os números falam por si: entre 2010 e 2024, foram criados 210 cursos de medicina, elevando o total para cerca de 390 escolas no país — 70% delas privadas. Contudo, esse avanço não necessariamente é sinônimo de qualidade.
O estudo Radiografia das Escolas Médicas, conduzido pelo CFM, revela um quadro preocupante dentro desse universo: em 78% dos municípios que abrigam esses cursos faltam leitos para práticas clínicas; em 57%, não há hospitais de ensino; e em 45%, o número de equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) é insuficiente para receber estudantes. Em síntese, não há um cenário favorável à boa formação dos futuros médicos.
Infelizmente, as consequências dessa realidade não ficam limitadas ao ambiente universitário, que deve ser avaliado pelo Ministério da Educação e suas organizações parceiras. Na verdade, ela ganha proporções preocupantes quando os egressos desses cursos deficitários, já diplomados, assumem posições na linha de frente de atendimento. Com isso, crescem os riscos de diagnósticos imprecisos, prescrições inadequadas, excessos em pedidos de exames, tratamentos ineficazes e aumento dos custos assistenciais.
O valor dessa fatura recai, sobretudo, sobre os ombros do paciente e seus familiares, vulneráveis aos riscos inerentes desse processo e menos amparados por uma medicina segura, resolutiva e ética. Para evitar danos, é preciso agir com base no que já está previsto na Lei nº 3.268/1957 que atribui ao CFM a missão de atuar em defesa de uma assistência em saúde de qualidade, da proteção da sociedade e do exercício ético, eficaz e seguro da profissão.
O Exame Nacional de Proficiência em Medicina, conforme proposta em tramitação, se torna um meio para alcançar todos esses objetivos, sendo uma barreira protetora para os cidadãos. Diversos países — como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha e Austrália — adotam exames nacionais obrigatórios para permitir aos recém-formados o direito de exercício da medicina em seus territórios.
Os candidatos que não atingem os critérios passam por programas de reciclagem até que estejam aptos a exercer a profissão com segurança. Percebe-se que não há punição, mas um fluxo que preserva a vida dos indivíduos e ainda oferece a possibilidade de aperfeiçoamento profissional aos que dele necessitam. Trata-se de um modelo de sucesso que o Estado brasileiro pode e deve seguir pela sua responsabilidade com preservação da integridade, saúde e vida dos cidadãos.
O Conselho Federal de Medicina e a Frente Parlamentar Mista da Medicina estão empenhadas em entregar à Nação o Exame Nacional de Proficiência em Medicina, contrariando interesses econômicos e políticos que enxergam na abertura de escolas médicas um negócio lucrativo e uma máquina de gerar votos e visibilidade junto aos eleitores. Superar esses obstáculos não será fácil, mas é possível com o apoio da população e dos médicos na sensibilização de senadores e deputados em favor dessa causa.
É preciso construir uma ponte para o futuro onde a Nação poderá contar com uma medicina valorizada, praticada com qualidade, ética, segurança e compromisso com a vida humana em toda sua dimensão. É necessário fugir das armadilhas de questões que nos levam a optar entre quantidade e qualidade porque estes conceitos não são excludentes.
Nesse sentido, o Exame Nacional de Proficiência em Medicina é o caminho para garantir ambos: mais médicos, sim, porém, verdadeiramente capacitados, habilitados e preparados para honrar sua missão, ajudando no resgate da confiança da sociedade no sistema de saúde e promove um ciclo virtuoso de qualificação da assistência médica no País.