
O conhecimento ancestral sobre o uso plantas amazônicas tornou-se um grande potencial econômico para mulheres ribeirinhas no município de Afuá, no Arquipélago do Marajó (PA). As sementes e amêndoas de murumuru, andiroba, ucuuba e patuá, já usadas para a fabricação de sabão e óleo para fritura, transformaram-se em um insumo atrativo para a indústria cosmética.
Matriarca da comunidade e fundadora do Centro de Produção de Mulheres do Maniva, Lourdes Batista da Silva contou que o uso desses recursos foi transmitido entre gerações, mas o trabalho com sementes começou em meados de 2015.
“Eu, pelo menos, falo de boca cheia e tenho orgulho da minha pessoa. Me casei com 15 anos de idade, tive minha primeira filha com 16 anos, mas nunca parei de trabalhar”, disse Dona Lourdes, hoje aos 72 anos.
O grupo, que conta atualmente com 13 mulheres, iniciou o trabalho com sementes baseado em troca de mercadorias, sem acesso a dinheiro. Ao perceberem que as sementes que caíam das árvores tinham valor na indústria de cosméticos, elas se reuniram para vender os insumos coletados para a Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (ATAIC). “Mudou muita coisa, porque a gente passou a não depender mais de homem”, destacou Lourdes.

As sementes são coletadas na natureza, não são plantadas, e o trabalho começa logo pela manhã. Todos os dias as mulheres saem em duplas por volta das 7h e voltam às 18h. Quando começou a atuar, o grupo foi muito criticado pelos homens da própria comunidade, que as chamavam de “loucas” por irem para o mato e diziam que deveriam ficar em casa cuidando dos filhos. “Eles diziam ‘olha lá as loucas, já foram para o mato'”, contou Benedita de Oliveira, de 40 anos.
Dionete da Silva Cardoso, 48 anos, foi uma das primeiras mulheres de sua família a quebrar o ciclo das tarefas domésticas. Ainda na infância, começou a trabalhar com extrativismo com o pai, que era seringueiro. Mas antes, segundo ela, “só os homens trabalhavam”. Com nove filhos e sete netos, ela sustenta a família ao lado do marido por meio da coleta dos frutos. “Minha mãe, que também é mãe de 12 filhos, foi ajudando a gente a entender que o trabalho não era só para o homem”, relatou.
Nas palavras de Dionete, o agroextrativismo trouxe reconhecimento para a comunidade. “Não éramos vistas, não éramos reconhecidas. Vivíamos dependendo do que eles (os homens) traziam para a gente. E, hoje em dia, não. Se a gente quer comprar algo para nossa família, para nós mesmas, nós já temos o nosso dinheiro.”
Após a coleta no campo, os insumos são levados para o centro onde passam por um processo de checagem e um trabalho manual para a separação dos frutos. A atividade, embora às vezes dificultada por fatores como a seca, evoluiu com a chegada de máquinas para processamento e quebra das sementes, que tornou a ação mais fácil, especialmente para as mulheres mais velhas, que têm dificuldade de enxergar.

A colaboração trouxe reconhecimento e independência financeira, permitindo que as mulheres tivessem sua própria renda e contribuíssem para a renda familiar. Apesar dos desafios e das críticas dos homens, a produção das mulheres do Maniva tornou-se motivo de orgulho e permitiu a realização de sonhos, como viajar. “Era um sonho que eu tinha, andar de avião, e eu consegui. Fomos discriminadas, fomos, mas agora acabou”, celebrou Benedita.
Valor agregado
Cerca de 470 famílias agroextrativistas fazem parte da ATAIC, que trabalha há nove anos fornecendo insumos como murumuru, ucuuba e patauá para a Natura. O trabalho da associação consiste no processamento de bioativos, que são revendidos para a indústria cosmética. Ao passar a vender óleos e manteigas ao invés de sementes e amêndoas, há uma ampliação da receita da comunidade em cerca de 60%.
Segundo Paulo Dallari, diretor de Reputação e Governo da Natura, há inúmeras vantagens em processar bioativos da Amazônia na própria região, em vez de transportar a matéria-prima in natura. “Entre as vantagens que contribuem para esse aumento estão a redução do volume transportado, ganho de qualidade e estabilidade, já que o produto processado é mais estável e fácil de conservar”, afirmou.
Agroindústria movida a energia solar
A Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (ATAIC) tornou-se a primeira agroindústria operada com sistema fotovoltaico e armazenamento de energia em baterias em uma área de várzea, região amazônica periodicamente alagada pelos rios. A instalação do sistema, inaugurado em maio, é fruto de uma parceria entre a Natura e a WEG, empresa catarinense de equipamentos eletroeletrônicos.

A tecnologia empregada consiste em um sistema fotovoltaico off grid, que utiliza painéis solares instalados na unidade produtiva para gerar energia. O excedente dessa produção será armazenado em baterias (BESS – Battery Energy Storage System), garantindo eletricidade mesmo à noite ou em dias de menor incidência solar.
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