A ANEEL e seu presente de grego à população amapaense
Por Jucicleber Castro (*)
Na sexta-feira, 13 de dezembro de 2024, entrou em vigor o reajuste tarifário de 13,67% nas contas de energia elétrica dos consumidores amapaenses. Em um estado marcado por vulnerabilidades socioeconômicas, o aumento gerou ampla insatisfação, uma vez que comprometerá ainda mais os já apertados orçamentos familiares.
Entre os representantes políticos do estado, apenas os senadores Randolfe Rodrigues e Lucas Barreto se manifestaram em relação ao aumento tarifário. Até o momento da conclusão deste artigo, o terceiro senador e os oito deputados federais não emitiram posicionamento público sobre o tema na internet.
Mas, o que significaria isso? Ao que está se desenhando, a população estaria quase sozinha neste enfrentamento. Não é de se estranhar, considerando que o grupo empresarial responsável pela concessionária de energia possui um patrimônio líquido avaliado em 29,78 bilhões de reais conforme o portal infomoney. Esse poder econômico poderia facilmente influenciar decisões políticas, o que talvez explicaria a falta de apoio parlamentar à população.
Nesse contexto, a distribuidora de energia investiu em campanhas publicitárias nos últimos meses, promovendo a ideia de que, em uma fatura de R$ 100,00, apenas R$ 27,00 seriam destinados à empresa. Embora o dado seja verdadeiro, ele não esclarece plenamente os elementos que compõem a tarifa quanto a fatia da distribuidora, omitindo questões essenciais para o consumidor.
No que tange à Agência Reguladora, a iniciativa do Senador Randolfe em convocar a Diretoria da ANEEL para uma audiência pública no Senado Federal necessitaria de garantias de eficácia. Isso se deve, em parte, à predominância de uma maioria parlamentar com inclinação conservadora e favorável aos grandes interesses econômicos, reduzindo as chances de revogação do aumento tarifário.
Talvez, uma ação do Ministério Público Federal poderia ter uma eficácia maior acionando a Justiça Federal, semelhante a que foi feita neste ano, quando da revogação da cláusula contratual que permitiria que a distribuidora solicitasse revisão tarifária extraordinária sem a necessidade da empresa provar desequilíbrio econômico financeiro.
Já o Senador Lucas Barreto, cobrou celeridade na instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar questões relacionadas à energia no Estado do Amapá, também outra ação que de curto prazo não terá qualquer impacto positivo no bolso do consumidor.
Apesar dos posicionamentos dos dois senadores, as ferramentas políticas empregadas para defender a população parecem mal direcionadas. Isso levanta questionamentos: as estratégias adotadas seriam resultado de erros das assessorias ou apenas uma forma de demonstrar à população que algo está sendo feito contra o poder econômico da concessionária?
Por parte da população, movimentos de mobilização começaram a ressurgir, semelhantes aos que, no passado, vaiaram longamente o Ministro do Desenvolvimento Regional e a distribuidora durante a visita do Presidente da República ao Amapá em 18 de dezembro de 2023.
Um exemplo disso é a articulação liderada pelos proprietários de um popular restaurante na Zona Sul, que, junto com setores organizados da sociedade civil, busca engajar a população contra os abusos tarifários. É uma luz no fim do túnel, conforme escrito em outros artigos desta coluna que afirma que somente a sociedade civil organizada teria condições de executar esse debate em favor da população.
Quanto a essa revisão tarifária, não houve audiência pública aqui no estado para dar mais transparência a esse aumento. Portanto, uma Lei de Transparência aplicada às concessões públicas poderia fortalecer a capacidade de fiscalização da população, garantindo maior acesso às informações sobre a composição das tarifas, os lucros das concessionárias e os investimentos realizados para a melhoria dos serviços.
Por fim, a ANEEL reforça cada vez mais a percepção de que estaria alinhada aos interesses das distribuidoras, conforme já mencionado em artigos anteriores desta coluna. Ainda assim, diante desse “presente de grego” imposto à população, a sociedade começa a reagir, reafirmando que a energia é um bem público que deve ser comercializado a preços acessíveis, e não transformado em ferramenta de lucro abusivo por grupos econômicos.
(*) Engenheiro, Professor do Magistério Superior, Especialista em Engenharia de Automação Industrial (Prominas) e Gestão de Telecomunicações (FGV), Mestrando Concluinte em Engenharia Elétrica pela UFPA, Ex-Diretor Técnico e de Operação da extinta Distribuidora de Energia Estatal do Amapá (2011-2014)
Crises energéticas no Amapá e o legado de uma gestão colonialista!
Por Jucicleber Castro (*)
No dia 21 de novembro de 2024, o Amapá completa três anos sob gestão da atual concessionária privada de energia elétrica. Contudo, em vez de celebrações, a população amarga constantes apagões, como o recente de 8 de novembro, que atingiu 10 municípios. Esses eventos destacam problemas estruturais e de gestão, contrastando com a história das estatais Eletronorte e CEA, onde incidentes dessa magnitude em subestações de distribuição de energia nunca ocorreram.
A causa dos apagões vai além de falhas técnicas: reflete uma cultura gerencial baseada no lucro imediato e desprezo pela população local. Essa visão foi evidenciada em 2021, numa audiência na Justiça Federal, quando o advogado Ruben Bemerguy acusou a concessionária de adotar um comportamento exploratório, comparável ao colonialismo.
Isso se assemelha ao sentimento expresso na música Sentinela Nortente, de Osmar Júnior, interpretada por Amadeu Cavalcante. Nos versos “meus olhos negros índios se perdem; encontram os limites do seu coração; seus olhos verdes só me desprezam; mas sinto os olhares de outras nações”, há uma denúncia poética de exploração histórica e descaso, que ainda ecoa na gestão atual da concessionária.
Essa percepção de desvalorização da população local e negligência com suas necessidades fundamentais é reforçada pela predominância de decisões administrativas centralizadas e pela falta de compromisso com o desenvolvimento sustentável e humano da região.
Essa lógica de gestão se reflete no predomínio de profissionais importados em cargos estratégicos, enquanto a mão de obra local ocupa funções subalternas com remuneração inferior. Apesar de o estado e seu povo, historicamente, acolherem carinhosamente profissionais de fora, a percepção de exploração sem compromisso social gera insatisfação.
Vale destacar que o Amapá sempre foi receptivo a profissionais de outras localidades que contribuíram significativamente para seu desenvolvimento. Exemplos notáveis incluem os engenheiros José de Ribamar Rodrigues de Souza (MA), responsável pela implantação das primeiras centrais digitais de telefonia e do sistema móvel celular nos anos 1990; Marcos da Silva Drago (PA), que levou energia a municípios como Calçoene e Tartarugalzinho; e Vladimir Soukhovetskii (Ucrânia), que implementou várias subestações pelo estado. Esses profissionais não apenas compartilharam seu conhecimento técnico, mas também deixaram um legado histórico e duradouro na engenharia local.
No entanto, a atual gestão da concessionária parece adotar um modelo de exploração, negligenciando princípios clássicos de administração de Peter Drucker, como foco no cliente e valorização do capital humano. Apagões frequentes, causados por falhas em subestações como SE Santana, SE Equatorial, SE Central Ferreira Gomes e outras, demonstram a falta de capacitação técnica e investimentos adequados.
Consequentemente, profissionais inexperientes enfrentam desafios complexos sem suporte adequado, enquanto práticas de manutenção seguem métodos improvisados, distantes de conceitos técnicos consagrados na literatura técnica de proteção de sistemas elétricos de potência.
Nesse contexto, a formação prática de especialistas em proteção de sistemas elétricos requer pelo menos quatro anos, mas profissionais inexperientes têm sido colocados em risco. O Ministério Público do Trabalho deveria investigar possíveis práticas de assédio ou discriminação mascaradas como cobranças de desempenho sobre colaboradores e terceirizados da concessionária.
Outro exemplo recente de descuido com a execução de uma manutenção eficaz: na Alameda Curiaú, no bairro Cabralzinho, em Macapá, a troca de um transformador foi negligenciada de início. A demora em sua troca resultou em torno de dez quedas de energia e água em apenas dois meses.
Esses incidentes, aliados à gestão de manutenção baseada na tentativa e erro, agravam os danos à população, especialmente aos mais vulneráveis e pequenos empreendedores. Logo, percebe-se a dificuldade que a área responsável pela manutenção tem em aplicar conceitos clássicos de manutenção produtiva total ou manutenção centrada em confiabilidade. Por outro lado, deve-se reconhecer a eficiência que a empresa tem em cobrar os seus clientes.
A Justiça Federal sob solicitação do Ministério Público Federal começou a agir: anulando uma cláusula contratual permitindo revisão tarifária extraordinária sem comprovar desequilíbrio econômico-financeiro. Mas outras instituições também precisariam atuar de forma contundente, entre elas, setores tradicionais da imprensa que, talvez em função de contratos publicitários, acabam também contribuindo com o sofrimento da população ao deixar em segundo plano seu papel jornalístico.
Contudo, para superar a crise, o Grupo Empresarial precisaria adotar mudanças profundas incluindo disponibilizar ao mercado os responsáveis pelos recorrentes prejuízos à população. Ao que se sabe e de acordo com o organograma interno as responsabilidades seriam da Presidência no Amapá, Superintendência Técnica e Gerência de Manutenção. Outro questionamento é quem iria arcar com os custos da negligência, os acionistas? Ou os prejuízos retornariam em forma de aumento na tarifa?
Além disso, uma reflexão se faz necessária ao CEO da companhia: sobre a responsabilidade social da empresa em evitar que práticas negligentes como as que vêm ocorrendo no Amapá continuem prejudicando a população. Remover a negligência e a incompetência são passos essenciais para evitar que erros primários continuem lesando à população e manchando a imagem da empresa, que comercializa ações no mercado de capitais.
Por fim, superar essas crises energéticas recorrentes no Amapá exige não apenas soluções técnicas, mas também o enfrentamento de uma cultura gerencial colonialista e a responsabilização de gestores negligentes. Somente assim será possível assegurar que o setor elétrico desempenhe seu papel como serviço essencial e direito básico da população.
(*) Engenheiro, Professor do Magistério Superior, Especialista em Engenharia de Automação
Industrial (Prominas) e Gestão de Telecomunicações (FGV), Mestrando Concluinte em
Engenharia Elétrica pela UFPA, Ex-Diretor Técnico e de Operação da exƟnta Distribuidora de
Energia Estatal do Amapá (2011-2014)
Apagões de energia elétrica: lições para uma regulação comprometida com a qualidade de serviço a sociedade
A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) desempenha um papel essencial na fiscalização e regulação do setor elétrico brasileiro, cuja responsabilidade seria garantir a qualidade, eficiência e continuidade do serviço de distribuição de energia. É uma autarquia especial com independência semelhante ao Banco Central do Brasil.
Contudo, eventos recentes, como os apagões que afetaram o estado de São Paulo na semana passada e o Amapá em 2020, evidenciaram fragilidades na atuação da Agência, especialmente no combate eficaz a interrupções massivas de energia elétrica aliado ao rigor em penalizar não apenas as concessionárias, mas também eventuais prevaricações de setores de fiscalização da autarquia.
Em outubro do ano passado, São Paulo também sofreu outro corte severo no fornecimento de energia, fazendo com que milhões de residentes ficassem sem energia durante um longo período de tempo, afetando serviços básicos como hospitais, transportes públicos, escolas, comunicações entre outros.
O incidente gerou tumultos na maior cidade do Brasil e causou perdas econômicas significativas. Segundo a Aneel, a Justiça Federal anulou multa de R$ 165,8 milhões aplicada à época, após a Distribuidora de Energia de São Paulo (ENEL) iniciar um processo judicial contra a entidade reguladora.
A crise no Amapá, em 2020, é outro exemplo notável. O estado sofreu com um colapso energético sem precedentes e que se estendeu por mais de 20 dias, deixando a população sem acesso regular ao serviço de energia. O episódio gerou um estado de calamidade pública, com prejuízos sociais e econômicos graves. A ANEEL, à época, foi criticada por sua atuação reativa, com medidas corretivas sendo implementadas apenas após o desastre.
Outros apagões também ocorreram no estado do Amapá pós apagão de 2020: Zona Norte de Macapá sem energia em torno de 15 horas em 15 de outubro de outubro de 2022, Zona Sul de Macapá sem os serviços de eletricidade por mais de 14 horas em 26 de abril deste ano, sem contar com outros apagões em diferentes municípios como Santana e interior.
Fica evidenciado pelas ocorrências descritas que crises devido a falhas na distribuição de energia não poupam estados pobres como o Amapá, muito menos entes federativos ricos como é o caso do Estado de São Paulo. Mas o que esses eventos teriam em comum quanto à atuação da agência reguladora?
Esses episódios revelam a ausência de um rigor adequado por parte da ANEEL no que diz respeito à prevenção e mitigação desses eventos. A atuação da Agência se mostra insuficiente, tanto no monitoramento das condições das redes de distribuição quanto na aplicação de penalidades adequadas às empresas responsáveis.
Com intuito de evitar a repetição de eventos como os apagões em São Paulo e no Amapá, algumas soluções seriam necessárias. Primeiramente, seria fundamental que a ANEEL adotasse um controle mais rigoroso sobre os planos de manutenção e expansão das redes de distribuição. As concessionárias de energia deveriam ser obrigadas a apresentar e cumprir projetos detalhados de modernização de infraestruturas, que visassem prevenir falhas de grande escala.
Além disso, a Agência deveria intensificar a fiscalização desses projetos e criar mecanismos para responsabilizar as distribuidoras que não cumprissem suas obrigações. Assim, poder-se-ia evitar a ocorrência de falhas gritantes como as que ocorreram nas Zonas Norte e Sul da cidade de Macapá que, sob o olhar de vários especialistas da área, uma grande possibilidade de negligência técnico gerencial pode ter ocorrido, o que acabou se confirmando através o relatório realizado pela fiscalização da ANEEL quanto ao incidente que deixou cerca de 35 mil pessoas na Zona Sul de Macapá em abril de 2024 e multa de R$ 8.343.521,97 aplicada à empresa distribuidora.
A ANEEL também precisaria rever seu modelo de penalidades. As multas impostas atualmente, muitas delas convertidas em “investimentos” às distribuidoras, não são suficientes para desencorajar a falta de investimentos adequados em infraestrutura. Penalidades mais severas, incluindo a possibilidade de caducidade das concessões, deveriam ser implementadas em casos de negligência grave.
Ainda como sugestão, é essencial aumentar a transparência nas operações do setor elétrico. A ANEEL deveria garantir que informações sobre a situação das redes de distribuição e os investimentos em manutenção estejam disponíveis publicamente, permitindo que consumidores e autoridades monitorem o cumprimento das obrigações das concessionárias.
Por fim, outra forma de se garantir a transparência não apenas no setor elétrico, mas também em outros setores de serviços públicos, seria o Congresso Nacional estender a Lei da Transparência à todas as empresas que detenham concessões públicas de serviços, tal medida ajudaria a evitar que as agências reguladoras fossem “capturadas” pelas concessionárias por falta de informações, contribuiria na composição das tarifas dentro dos padrões da Lei de Concessões e ajudaria o Poder Judiciário a tomar decisões mais justas, evitando o que aconteceu com a decisão judicial que beneficiou a concessionária paulista em março deste ano.
Em resumo, as sugestões apresentadas não são de simples implementação. Requerem envolvimento contundente da sociedade civil organizada fazendo o engajamento adequado não apenas nas audiências públicas ou consultas públicas realizadas pela Agência, mas também em ações efetivas junto aos Poderes de Estado, em especial ao Executivo e Legislativo, no sentido de alterar o critério de escolha da Diretoria da Agência, de maneira a se garantir mais participação da sociedade civil na Diretoria e Conselhos. Dessa forma, seria possível vislumbrar uma melhoria significativa na qualidade dos serviços prestados à população.
(*) Engenheiro, Professor do Magistério Superior, Especialista em Engenharia de Automação Industrial e Gestão de Telecomunicações, Mestrando Concluinte em Engenharia Elétrica pela UFPA, Ex-Diretor Técnico e de Operação da extinta Distribuidora de Energia Estatal do Amapá (2011-2014)
Apagão no Amapá – 04 anos: a urgência de reformas nas agências reguladoras brasileiras!
No último domingo, 3 de novembro
de 2024, completou-se o aniversário de quatro anos de um trágico apagão que deixou 13 municípios do estado do Amapá sem fornecimento contínuo de energia elétrica por mais de 20 dias. Esse evento, marcado por sofrimento e prejuízos incalculáveis à população, permanece como um triste episódio na memória coletiva do Amapá.
Embora quatro anos tenham se passado, observa-se uma ausência de punições severas e eficazes para os responsáveis, seja a concessionária de transmissão de energia da época, seja a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), responsável pela fiscalização.
Além disso, os danos causados às pessoas que faliram durante esse fatídico período sem energia ainda não foram ressarcidos, evidenciando uma enorme morosidade da justiça.
Ainda em 2020, em 29 de fevereiro, outro evento trágico — desta vez no setor de transporte fluvial — onde 42 pessoas morreram no naufrágio do navio Anna Karoline III. Após investigações, constatou-se também a falta de fiscalização pela Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (ANTAQ), evidenciando mais uma vez o descaso, pois tanto a ANEEL quanto a ANTAQ não possuem escritórios de fiscalização no Amapá.
A imprensa nacional tem, por vezes, criticado a atuação da ANEEL, apontando falhas no fornecimento de energia, como evidenciado em críticas à distribuidora de energia de São Paulo. Em 18 de outubro de 2024, o jornal digital ICL News publicou uma matéria contundente em que uma de suas jornalistas afirmou: “o modelo das agências reguladoras no Brasil não deu certo; as agências viraram extensão dos interesses das empresas”. A jornalista foi categórica ao denunciar que a ANEEL teria sido capturada pelo lobby empresarial.
Esse fenômeno de “captura regulatória” — em que interesses privados ou políticos influenciam as decisões das agências em benefício próprio, comprometendo a imparcialidade e a qualidade técnica — é discutido pelo economista Riley Rodrigues de Oliveira do Portal Consultor Jurídico, que destaca suas duas vertentes principais: a captura econômica, em que as empresas manipulam as agências para atender a seus próprios interesses, e a captura política, resultante da influência de grupos partidários que nomeiam dirigentes conforme conveniências. O caso da ANEEL ilustra essa situação, uma vez que sua diretoria foi integralmente nomeada pelo então Presidente Jair Bolsonaro.
A dissertação de Marina de Siqueira Campos Rebouças, intitulada “As Agências Reguladoras e o Risco da Captura: os desafios para uma maior autonomia do sistema regulatório brasileiro”, explora a captura regulatória e descreve como as agências, criadas para supervisionar setores econômicos, tornam-se vulneráveis a influências políticas e de mercado.
A autora também esboça um histórico do Estado Regulador no Brasil, ressaltando que, apesar das reformas dos anos 1990, que buscaram maior equilíbrio e eficiência no controle econômico, as agências enfrentam constante pressão de interesses específicos.
Comparando com o modelo norte-americano, que serviu de inspiração para as agências brasileiras, a autora propõe adaptações para fortalecer a autonomia e a transparência regulatória no Brasil. Como soluções, sugere mecanismos de prestação de contas e maior participação social para mitigar interferências e assegurar que as agências cumpram seu papel de maneira independente.
Vale observar a convergência do pensamento científico da Mestra Marina Rebouças sobre transparência com reflexões presentes no texto “Apagões de energia elétrica: lições para uma regulação comprometida com a qualidade de serviço à sociedade!”, publicado em 20 de outubro no site www.conectamapa.com.
As críticas à atuação das agências reguladoras no Brasil, porém, vão além da ANEEL ou ANTAQ. Diversas outras autarquias especiais, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), também enfrentam questionamentos recorrentes. As queixas variam desde a permissão para reajustes abusivos em planos de saúde até aprovações de medicamentos polêmicos e falhas na fiscalização de combustíveis nos postos de distribuição, saneamento e outros.
O modelo de agências reguladoras no Brasil foi adotado nos anos 90 com o objetivo de proteger consumidores em setores monopolistas, como energia e telecomunicações. No entanto, práticas como a “porta giratória”, em que executivos transitam entre agências reguladoras e o setor regulado, acabam comprometendo a independência das agências, gerando potenciais conflitos de interesse.
Nesse contexto, a realidade revela que as agências brasileiras, em muitos casos, falham em equilibrar os interesses entre consumidores e grandes empresas. Embora o atual governo, mesmo não tendo controle gerencial sobre as agências, defenda uma regulação mais eficaz, uma parcela significativa da mídia comercial, que possui contratos publicitários com empresas de setores regulados, frequentemente minimiza a captura econômica das agências, criticando ações governamentais que busquem cobrar maior eficácia dessas entidades.
Então, há uma necessidade urgente de um amplo debate nacional visando mudanças legislativas, com a participação de consumidores, entidades de classe, universidades e outros setores da sociedade civil organizada.
Contribuições como a proposta de participação social nas políticas regulatórias defendida pela professora Natasha Schmitt Caccia Salinas (FGV-RJ) são de fundamental importância para garantir, caso implementadas, decisões representativas e justas.
Nesse sentido, Natasha Salinas destaca que a Lei Geral das Agências (LGA) prevê consulta pública apenas nas fases finais do processo regulatório, limitando a participação social. Isso reduz sua eficácia, pois o ideal seria envolver a sociedade nas etapas iniciais, influenciando a formação da agenda regulatória de maneira mais inclusiva e transparente.
Outro ponto de destaque, é debate que ocorre entre funcionários de carreira de algumas agências, que defendem a necessidade de que um terço dos cargos de direção seja ocupado por servidores efetivos, selecionados por meio de uma lista tríplice após eleição direta. Isso reforçaria a autonomia do Diretor eleito, minimizando a possibilidade de captura político partidária ou econômica.
Portanto, é essencial que se reconduza as agências à autonomia real e não apenas formal. Medidas como estruturas funcionais adequadas, autonomia financeira e critérios rigorosos para a nomeação de dirigentes são fundamentais. Ademais, ampliar os mecanismos de participação social nas fases iniciais do processo regulatório contribuiria bastante para uma maior transparência e inclusão. Porém, há um longo e complexo caminho a percorrer, pois, uma das estratégias seria a mudança na legislação e requer intensa mobilização social no Congresso Nacional.
Dessa forma, apenas o envolvimento da sociedade conduzindo um amplo debate propositivo de mudanças na legislação das agências junto ao Congresso Nacional, poderia atender as expectativas de recolocá-las na posição de atuar com competência, independência e em benefício do interesse público, prevenindo a captura regulatória e garantindo maior eficiência e eficácia nos serviços essenciais que regulam.
(*) Engenheiro, Professor do Magistério Superior, Especialista em Engenharia de Automação Industrial (Prominas) e Gestão de Telecomunicações (FGV), Mestrando Concluinte em Engenharia Elétrica pela UFPA, Ex-Diretor Técnico e de Operação da extinta Distribuidora de Energia Estatal do Amapá (2011-2014)